O excelente Blog de Leonardo Sakamoto
(http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br) publicou o artigo, reproduzido
abaixo, que revela, de forma transparente, as profundas divisões que atravessan a
“esquerda” brasileira, ainda antes da chegada de Dilma Rousseff à Presidência
da República. A desorientação ideológica de um governo “de esquerda” que,
atravessado pela corrupção, encontra-se encurralado e comprometido com todo tipo de
interesses “desenvolvimentistas” (os legítimos, os questionávels e os totalmente
ilegítimos) e que usa o discurso “social” de protecção aos pobres para favorecer velhos e novos setores sociais privilegiados, enquanto
multiplica os gestos pouco amigáveis em relacao aos EE.UU.
O mais grave de tudo, que talvez o artigo
abaixo não subllinha suficientemente, é que toda esta bagunça de crescimento
irresponsável e “gigantesco” se
sustenta num discurso aberta e agressivamente nacionalista que encontra as suas raízes ideológicas
na ditadura de 1964 já sendo, de fato, efectivamente anacrônico.
Alguém perguntava-se, recentemente, o motivo
pelo qual o governo de Obama decidiu negar-lhe o estatuto de “visita de Estado” à
próxima viagem de Rousseff aos Estados Unidos. As hipóteses são variadas, mas não
seria totalmente absurdo procurar os motivos deste gesto apenas protocolar (mas
significativo), precisamente em alguma destas peculiaridades que está
exibindo o “novo” Brasil de
Rousseff. Uma das que pode estar incomodando aos EE.UU é que em, meio a este desenvolvimento desenfreado, o Brasil não há deixado de acumular gestos gratuita e levianamente
antiamericanos. E isto a poucos meses de umas eleiçoes
onde o presidente Obama precisa ganhar com o voto do norte-americano médio.
A convenção das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (a
Rio+20) está se aproximando e se, por um lado, o Brasil tem coisas a
mostrar na vitrine de ações por uma economia com menos impactos
negativos, por outro continua sendo uma bela vidraça que será
devidamente analisada pelas centenas de jornalistas que virão para cá
participar do evento em junho. Por exemplo, os ruralistas (antigos e
novos) estão em campanha aberta no Congresso Nacional para alterar o
Código Florestal, facilitando a expansão agropecuária não-sustentável e
trazendo para a legalidade, via canetada, quem desmatou de forma ilegal.
Sob a justificativa da soberania do desenvolvimento, estão ligando o
tic-tac de uma bomba que afetará a própria produção agrícola nas
próximas décadas – ou alguém ainda acha que água, por exemplo, é recurso
renovável?
Poderíamos somar à lista de problemas socioambientais travestidos de
solução nacional para a pobreza (empacotado dessa forma, o produto fica
atrativo, vende melhor com o povão) as grandes obras de engenharia. Mas
também o asfaltamento de certas rodovias na Amazônia que servem de
vetores ao desflorestamento, a construção de portos causando danos a
manguezais, o fomento a usinas termelétricas, enfim. Estou enumerando
apenas os impactos causados por ação direta do Estado que, em tese, tem a
responsabilidade de garantir a qualidade de vida a esta e às próximas
gerações. Mas que, ao invés disso, tem sido vetor de terra arrasada.
Não vou continuar nesse debate – mais uma vez – mas abordar um outro
tema. Cansei de ouvir intelectuais que se dizem de “esquerda” e que
dizem militar por uma sociedade mais justa e humana fazendo coro com
setores políticos e econômicos conservadores ao pedir que o meio
ambiente não seja um entrave para o crescimento. Que se cuide do planeta
e se adaptem a modelos de desenvolvimento econômico, mas que o
“progresso” não seja alterado.
Fazem contas para mostrar que a vida de algumas centenas de famílias
camponesas, ribeirinhas, quilombolas ou indígenas não pode se sobrepujar
ao “interesse nacional”, que pode vir na forma de uma grande usina
siderúrgica. Defendem a energia nuclear como panacéia. Taxam de
“sabotagem sob influência estrangeira” a atuação de movimentos e
entidades sérias que atuam para que o “progresso” não trague o país. Já
ouvi esse discurso antes. Mas achei que ele estava enterrado junto com a
ditadura militar. Certas coisas nunca morrem, só trocam de farda.
Valeria a pena pararem para refletir e perceber que o que chamam de
“interesse nacional” é, na verdade, o interesse de poucos. Como a
implantação de usinas hidrelétricas em regiões de mineração para
abastecer a siderurgia de exportação. Antes de pensar em escala
macroeconômica, é importante ver o que vai acontecer na realidade da
população. E os casos que temos visto não são nada bons.
Recomendo a leitura do Relatório de Impacto Ambiental de grandes
projetos de engenharia. Há centenas de críticas à implantação da obra,
prova-se que as consequências à população e ao meio serão imensas, que
no longo prazo os empregos gerados não acompanharão o desemprego movido
pelas desapropriações de terras. E, no final, vem a conclusão
cara-de-pau recomendando o projeto apenas com uma meia dúzia de
sugestões para minimizar o impacto. E com um passivo ambiental que não
atrapalha ninguém. Do tipo, aprove-se, mas distribua um saquinho de
jujuba para os locais.
Vivemos um momento de choque geracional. O discurso de que o
desenvolvimento é a peça-chave para a conquista da soberania (o que
concordo) e que, portanto deve ser obtido a todo o custo (o que
discordo) tem sido usado por pessoas que foram comunistas/socialistas,
tornaram-se líderes partidários e hoje fazem coro cego ao santo
padroeiro do crescimento. Do outro lado, os movimentos sociais e a
sociedade civil que atuam nesse campo defendem que o crescimento não
pode ser um rolo compressor passando por cima de pessoas e do meio
ambiente. Por suas ações, que impedem um laissez-faire generalizado, são
taxados de entreguistas e de fazerem o jogo do capital internacional.
Pergunto: por que uma turma inteligente e esclarecida acha que o
capital do Centro-Sul brasileiro pilhar a Amazônia e o Cerrado é muito
diferente do Centro mundial pilhar a Periferia? Os resultados são iguais
e a história está aí para mostrar as tragédias causadas quando quem
detinha o poder e disse representar a maioria subjugou as minorias.
Sendo que, no Brasil, o que acontece com uma minoria em um vilarejo
em Rondônia repete-se metonimicamente por todo o território. O problema é
igual, mudam apenas os atores.
Este debate que trago aqui não é novo. Venho martelando ele há tempos
no blog. Mas cada vez fica mais claro que não adianta mostrar fatos
novos ou uma nova luz para a interpretação da realidade, há grupos que
fecham e não abrem com o padrão de desenvolvimento forjado na ditadura –
paradoxalmente a mesma ditadura contra a qual lutaram. E, como já disse
antes, a meu ver a solução se dará através de renovação geracional, ou
seja, os mais antigos se retirando com a idade para dar lugar aos mais
novos. É triste que seja assim, mas tendo em vista os últimos embates,
não acredito em conciliação possível.
É claro que os países desenvolvidos querem que nós arquemos com o
ônus da preservação do planeta. O mercado de carbono, na prática, é
isto: compra-se créditos de terceiros (que vão adotar práticas ou
projetos que absorvam carbono da atmosfera) para que se possa continuar a
poluir. Mas o atual modelo, em plena vigência no Brasil, tem um
potencial destruidor muito grande, além de ser extremamente
concentrador. Ou seja, o resultado da pilhagem dos recursos naturais e
do trabalho humano, mantendo o padrão adotado até aqui, continuará nas
mãos de poucos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros.
Em suma, o desenvolvimento em curso na Amazônia privilegia apenas uma
camada pequena da população. Os lucros advindos da implantação de
grandes empreendimentos permanecem concentrados nas mãos de poucos,
enquanto o prejuízo é dividido por todos. Vale lembrar o exemplo de
municípios como Coari (AM) e São Francisco do Conde, no Recôncavo
Baiano, ricos em royalties do petróleo e derivados, mas com baixo índice
de desenvolvimento humano.
Esse pragmatismo exacerbado, de que é necessário perder os peões para
se ganhar uma partida de xadrez, é muito triste. Ainda mais quando vem
de pessoas que, desde a ditadura, lutam pela liberdade e a efetivação
dos direitos.
A história mostra que apesar da esquerda ter capacidade de
influenciar a realidade no país, ela não foi capaz de transformá-la. E a
menos que novos atores sociais e políticos tragam respostas para romper
com a estrutura atual, continuaremos vendo fracassos e meias-vitórias
se repetindo