A Folha de Sao Paulo - O AMBIENTE DE NEGÓCIOS NO BRASIL VIVE UM CAOS ABSOLUTO, DIZ BANQUEIRO
O ambiente de negócios no Brasil vive um caos absoluto, diz banqueiro
JOANA CUNHA
SÃO PAULO 29/09/2015
O ambiente de negócios vive o caos e os
investidores estrangeiros estão perplexos com o governo. O rebaixamento
por outras agências de risco é inevitável. A opinião é de um dos
principais assessores financeiros do país, Ricardo Lacerda,
que, desde que fundou seu banco de investimento, BR Partners, em 2009,
fez mais de 90 operações, ultrapassando R$ 70 bilhões. Eleitor de Marina
no primeiro turno e de Dilma no segundo, ele admite que errou nas
previsões ao dar um voto de confiança à presidente
em artigos publicados em 2014. "A presidente e seu círculo mais próximo
nunca abriram mão da condução da economia. O objetivo ao aceitar nomear
Levy era apenas usar sua credibilidade para recuperar apoio dos
mercados”, diz Lacerda, que também tem no currículo
a presidência do Goldman Sachs no Brasil e do Citigroup na América
Latina.
Folha - O Sr. estava mais otimista em 2014 e votou na presidente. Errou nas previsões?
Ricardo Lacerda - Fui um dos primeiros
empresários a apontar publicamente os erros do ex-ministro Guido
Mantega. Previ a reeleição da presidente Dilma e uma condução mais
ortodoxa da política econômica. Mas errei ao achar que a presidente
faria isso com convicção, que optaria por um ajuste claro e profundo,
que poderia resgatar rapidamente a confiança dos mercados. Hoje está
claro que prevalece na cúpula do governo a crença de que existem saídas
menos dolorosas para a crise. É justamente essa
distância da realidade que aprofunda ainda mais a crise.
Folha - Há risco de o país ser rebaixado por outra agência?
Ricardo Lacerda -
A menos que haja um comprometimento imediato e claro com um profundo
ajuste fiscal, o que já não parece provável, é certo que o Brasil será
rebaixado por todas as agências. Seus critérios são similares e
há rápida deterioração dos indicadores econômicos.
Creio que esse efeito já está em boa parte refletido no preço dos
principais ativos brasileiros —mas claro que um rebaixamento em cadeia
será muito negativo.
Folha - Como os investidores estrangeiros estão vendo o Brasil?
Ricardo Lacerda - Há uma enorme perplexidade
com a completa inabilidade do governo em propor um caminho viável para
sair da crise. O ambiente de negócios vive momento de caos absoluto. O
governo perdeu completamente a credibilidade e houve
uma paralisação de gastos e investimentos. Os empresários estão com
medo de quebrar e os trabalhadores com medo de perder empregos. Esse
sentimento negativo reverbera mundo afora e afeta nossa credibilidade
junto ao investidor estrangeiro.
Folha - Há quem veja oportunidade nessa crise?
Ricardo Lacerda - Sim, oportunidades enormes.
Muitos bons ativos estão sendo negociados a preço de banana. É muito
menos arriscado para um investidor estrangeiro entrar no país hoje, com o
dólar a R$ 4 e a Bolsa a 45.000 pontos, do que
há três anos, com o dólar a R$ 2 e a Bolsa a 75.000 pontos. Mas para
que predomine a visão de que temos oportunidade, é preciso que os preços
dos ativos se estabilizem.
Entrar no Brasil com dólar a R$ 4 pode
ser ótimo negócio, desde que não chegue a R$ 5 ou R$ 6 no curto prazo.
Há hoje percepção de que o risco de descontrole da economia é real.
Folha - Até onde vão os juros?
Ricardo Lacerda - Num ambiente de total falta
de credibilidade da política econômica, o único elemento que pode
tranquilizar investidores é a taxa de juros.
Mantido o cenário atual, eu diria que
não só não encerramos o ciclo de aperto monetário, como é provável que
ainda seja necessário um novo choque de juros, de mais 200 a 300 pontos
base. Os juros futuros
mostram isso e podemos ver a Selic próxima a 20% ao ano. Pagaremos caro juros artificialmente baixos por tanto tempo.
Folha - Mudaria algo no ajuste?
Ricardo Lacerda - Acho que a proposta do
governo é absolutamente desconexa. A manobra de enviar ao Congresso um
Orçamento com deficit foi desastrada e em seguida o governo não
conseguiu articular nenhum raciocínio lógico para defende-la.
Em segundo lugar, o governo pode pedir que a sociedade faça sacrifício,
é justo, mas tem que fazer sua parte e mostrar com clareza o que
defende. Ele foi eleito para liderar, mostrar caminhos, não para enviar
um Orçamento e pedir que se virem para equilibrá-lo.
Acho que a sociedade não aceita mais alta de imposto, o governo terá de
cortar mais gastos. Senão, a inflação cortará por ele.
Folha - Como combater a inflação?
Ricardo Lacerda - Com política fiscal e
monetária sérias. O Brasil não foi o único no mundo a relaxar tais
políticas diante da crise de 2008. O erro foi exagerar em estímulos
excessivamente de curto prazo e não propor reforma estrutural.
O governo não soube a hora de recuar nos incentivos para garantir a
saúde das contas. Essa barbeiragem nos levou a uma combinação tóxica de
baixo crescimento, explosão da dívida pública e inflação alta. Para
reverter, é preciso competência e determinação por
parte do governo. Não estamos vendo uma coisa nem outra. O controle da
inflação foi a maior conquista social do brasileiro nas últimas décadas e
é lamentável que a presidente nunca tenha dado a ele sua devida
importância.
Folha - Levy ainda é considerado pelo mercado a tábua de salvação? Ou é hora de deixar a cena?
Ricardo Lacerda - A presidente nunca endossou o
ministro, nem seu receituário econômico, como o caminho para o país
driblar a crise. O resultado é esse: governo com atuação conflitante e
sem liderança. O ministro é um profissional sério,
acadêmico respeitado, pessoa com espírito patriótico que tenta ajudar
seu país. Será lamentável se ele deixar o cargo, mas creio que ninguém
mais o vê como tábua de salvação. Para reverter expectativas, a
presidente precisará mostrar uma mudança radical e
inequívoca de suas próprias convicções.
Folha - O sr. avalia que ele teve boa atuação até agora?
Ricardo Lacerda - O mercado esperava que Levy
representasse ruptura com a gestão anterior e uma oportunidade de fazer
ajuste rápido, que traria de volta a credibilidade. Era minha aposta.
Isso não ocorreu, pois a presidente e seu círculo
próximo nunca abandonaram suas ideologias nem abriram mão da condução
da economia. O objetivo ao aceitar nomear Levy era apenas usar sua
credibilidade para recuperar o apoio dos mercados. Acho injusto julgar a
atuação dele. Fica a impressão que ele foi sem
nunca ter sido.
Folha - Mudar o governo ajuda? Quer impeachment?
Ricardo Lacerda - No momento não há motivos
técnicos para impeachment. Tudo leva a crer que a presidente é uma
pessoa honrada. Mas, evidentemente, o impeachment tem dinâmica política,
que já está em curso. A inépcia política da presidente
e a relutância em buscar novos caminhos a coloca numa posição cada vez
mais delicada.
É possível que termine seu mandato, mas
há o risco de isso acontecer sem que tenha apoio político ou popular e
com economia em frangalhos.
O BANQUEIRO E O
BANCO Ricardo Lacerda, 47 Sóciofundador do BR Partners, ex- presidente
do Goldman Sachs no Brasil e do Citigroup na America Latina, mestre em
finanças pela Universidade Columbia (EUA)