Quem são os 'homens de verde' que assustam a Ucrânia?
Apoiando-se em sua bengala, Nikolai parou perto do
prédio da administração municipal em Konstantinovka, balançando a cabeça
em desaprovação.
Homens mascarados vestindo uniformes de
camuflagem haviam ocupado o prédio e estavam vigiando a entrada.
Enquanto isso, cantarolando uma canção pop cuja letra fala sobre a
antiga União Soviética, militantes pró-Rússia construíam barreiras com
blocos de concreto e sacos de areia.
Na antiga URSS, Nikolai havia
trabalhado para a inteligência militar soviética. Ele está convencido de
que os homens armados que ele observa agora são russos.
"Fui falar com eles", contou. Tinham rifles
automáticos russos de última linha. "Não acredito que vocês sejam
ucranianos. Vocês são da Rússia, da Inteligência Militar. Não vão me
enganar, também sou desse sistema".
"'Ah, ninguém engana um lobo velho, não é?' - respondeu um deles".
Nikolai disse não ter dúvidas. "Tenho certeza de
que foram mandados para cá e estão sendo pagos para semear revoltas e
calamidades".
'Invenção' Ucrânia
Perguntei a um dos "homens de verde" armados de onde ele vinha.
"Ucrânia", ele respondeu. Depois, sorriu. "Na
verdade, não existe uma nacionalidade ucraniana. Isso é uma invenção do
Império Austro-Húngaro. Somos russos e essa terra não é Ucrânia, é Nova
Rússia. E vamos defendê-la".
A 30 km dali, em Kramatorsk, militantes
pró-Rússia também ocuparam o prédio da administração local.
Dentro,
encontrei Vadim Ilovaisky. Ele se apresentou como o novo "comandante militar" da cidade.
Estava sentado, vestindo uniforme, no escritório
do vice-prefeito, estudando mapas da região (o vice-prefeito, ele
informou, estava adoentado). O comandante militar apontou para um
aquário no canto da sala e me garantiu que estava cuidando bem dos
peixes do vice-prefeito.
Perguntei a Vadim de onde ele vinha. "Sou
cossaco" (povo nativo das estepes das regiões do sudeste da Europa,
principalmente da Ucrânia e do sul da Rússia), respondeu. "Meu avô e meu
bisavô eram de Stavropol" (sul da Rússia).
"Na minha vida civil, sou um consultor de
relações públicas. Mas como comandante cossaco, participei da campanha
na Crimeia. Sou um cidadão da Ucrânia".
Quando perguntei onde ele mora agora, foi evasivo. "Minha casa é o prédio onde estou sentado agora".
'Conversas gravadas'
Assim como Nikolai, o veterano da inteligência
militar russa que encontrei em Konstantinovka, o Ocidente também está
convencido de que existe um vínculo direto entre Moscou e a milícia
pró-Rússia que vem ocupando prédios governamentais e delegacias de
polícia, com impunidade, no leste da Ucrânia.
Segundo o site americano de notícias Daily Beast,
em uma reunião recente, a portas fechadas, nos Estados Unidos, o
secretário de Estado John Kerry revelou que os Estados Unidos haviam
obtido "conversas gravadas de agentes da inteligência (na Ucrânia)
recebendo ordens de Moscou"
Washington já tinha acusado a Rússia de
continuar "a financiar, coordenar e alimentar um forte movimento
separatista" na Ucrânia.
O governo ucraniano alega que o líder dos
militantes pró-Rússia no leste da Ucrânia - Igor Strelkov - é um militar
russo. Kiev diz que seu nome verdadeiro é Igor Girkin e que ele é de
Moscou.
Ele é um entre 15 indivíduos que estão sendo
alvo de sanções anunciadas nesta semana pela União Europeia. E foi
identificado como "funcionário" do principal órgão de inteligência das
Forças Armadas da Federação Russa (GRU)
.
Em uma entrevista para o tabloide russo Komsomolskaya Pravda no
último fim de semana, o comandante "Strelkov" disse que "mais de a
metade, ou talvez dois terços, de suas forças" são ucranianos.
"Muitos têm experiência em batalhas, muitos lutaram no Exército russo".
Poder em Desintegração
A Rússia nega ter tropas ou agentes em operação
na Ucrânia. Moscou insiste que as milícias e as "forças de autodefesa"
que emergiram no leste da Ucrânia são demonstrações espontâneas do poder
do povo, e que sua origem está no temor da população em relação aos
"fascistas" que tomaram o poder em Kiev.
Mas se a Rússia está orquestrando essa revolta, o
que isso nos revela em relação à influência de Moscou no leste da
Ucrânia e ao grau de controle que Kiev possui? A julgar pela maneira fácil como os grupos
pró-Rússia vêm ocupando prédios estratégicos, em muitos casos,
simplesmente caminhando para dentro do prédio e assumindo o controle, o
poder do governo central por aqui está se evaporando.
O próprio presidente interino do país, Olexander
Turchynov, admitiu que nas regiões de Donetsk e Luhansk as forças
"encarregadas de proteger os cidadãos" estavam "impotentes".
E pior, "algumas unidades" - ele disse - " ou ajudam ou cooperam com os grupos terroristas".
Se o plano do presidente Putin é enfraquecer, ou dividir a Ucrânia ao meio, talvez ele não tenha de enviar tanques russos.
Em meio ao caos, violência e medo que se alastram pelo leste da Ucrânia, já brotaram divisões profundas. E, por enquanto, Kiev parece ser incapaz de manter a unidade do país.