A polêmica ferrovia que a China quer construir na América do Sul
Quarta Feira, 20 de maio de 2015
BBC - Brasil
Uma
ferrovia que começa no Rio Janeiro banhada pelo Oceano Atlântico,
atravessa a Floresta Amazônica e a Cordilheira dos Andes, e termina na
costa peruana em pleno Oceano Pacífico: este é o ambicioso plano que a
China quer consolidar na América do Sul.
A reportagem é de Gerardo Lissardy, publicada por BBC Brasil, 19-05-2015.
O
projeto ganhou novo impulso com a visita do primeiro-ministro chinês,
Li Keqiang, à região, que começou na noite da última segunda-feira no
Brasil e ainda inclui escalas na Colômbia, Peru e Chile.
Nesta
terça-feira, Li Keqiang se encontrou com a presidente Dilma Rousseff em
Brasília. Na ocasião, foram assinados 35 acordos de cooperação entre os
dois países, englobando áreas como planejamento estratégico,
transportes, infraestrutura, energia e agricultura.
Durante
o encontro, a presidente Dilma declarou que Brasil, China e Peru
iniciaram os estudos de viabilidade da conexão ferroviária entre o
Atlântico e o Pacífico. "Trata-se da ferrovia transcontinental que vai
cruzar o nosso país no sentido leste oeste cortando o continente
sul-americano", disse a presidente que, logo depois, em conversa com
repórteres, classificou a ferrovia como "estratégica para o Brasil".
De
Brasília, Li Keqiang segue para o Rio de Janeiro, onde deve participar
da inauguração de uma exposição de marcas chinesas e um passeio de barco
pela baía de Guanabara. A agenda do premiê chinês no Brasil termina na
próxima quinta-feira.
Ferrovia
Com
o projeto da ferrovia, Pequim pretende aumentar sua presença econômica
no continente e facilitar o acesso a matérias-primas, o que também gera
interesse do Brasil e do Peru.
Em
declaração no início da tarde desta terça-feira durante o encontro com
Li Keqiang, a presidente Dilma Rousseff afirmou que, com a ferrovia, "um
novo caminho para a Ásia se abrirá para o Brasil, reduzindo distâncias e
custos".
Especialistas
acreditam que a construção da estrada de ferro marcaria uma nova fase
na relação da China com a região. No entanto, para que o projeto saia do
papel, será necessário superar grandes desafios de engenharia,
ambientais e políticos, dizem analistas ouvidos pela BBC. "Seria uma
grande conquista e uma peça-chave da relação da China com a América do
Sul, se esse projeto realmente sair do papel", diz Kevin Gallagher,
professor da Universidade de Boston e autor de estudos sobre a relação
China-América Latina. "Todo o projeto é uma grande promessa, mas deve
ser bem feito ou pode se tornar um pesadelo", ressalva.
Intercâmbio
Keqiang
começa sua visita ao Brasil em meio a um momento de desaceleração das
economias chinesa e sul-americanas. A região deve crescer neste ano
menos de 1% de acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional), em
parte por causa de uma atividade econômica mais fraca no Brasil. E a
falta de infraestrutura continua a ser um de seus principais problemas.
A
China, por sua vez, necessita de recursos naturais para sustentar sua
expansão econômica e tem interesse primordial na construção de projetos
ferroviários em outras regiões do globo.
Ferrovia liga litoral do Rio de Janeiro ao do Peru. BBC
Neste
contexto, a Ferrovia Transoceânica, cujo custo é estimado em até US$ 10
bilhões (R$ 30 bilhões), poderia cobrir as necessidades dos vários
países envolvidos.
"Próximo passo"
Com
a popularidade em baixa e abalada por escândalos de corrupção, Dilma
prepara um programa de concessão de infraestrutura previsto para ser
lançado em junho.
Segundo
informações do jornal Folha de S.Paulo, trechos da ferrovia até a
fronteira com o Peru estariam contemplados na segunda etapa das
licitações.
Estudos técnicos já foram iniciados em solo brasileiro para ligar o
porto de Açu, no Rio de Janeiro, a Porto Velho, na bacia amazônica.
A
ligação da capital de Rondônia ao Pacífico daria a produtores
brasileiros uma alternativa sobre o Atlântico e o Canal do Panamá para
enviar matérias-primas para a China.
"Há
uma lógica econômica por trás do projeto", disse João Augusto Castro
Neves, analista para América Latina da consultoria Eurasia Group.
Nos
últimos anos, a relação entre a China e o Brasil é muito focada no
aspecto comercial, com o aumento das exportações de produtos como soja e
ferro para o gigante asiático.
Mas,
segundo Castro Neves, obras como a da Ferrovia Transoceânica poderiam
agregar valor a esse vínculo. "É o próximo passo no relacionamento", diz
ele à BBC.
Protestos
O
projeto exacerbou as já tensas relações entre o Peru e a Bolívia, cujo
presidente, Evo Morales, protestou ao saber que a estrada de ferro
passaria por fora do território boliviano.
"Não
sei se o Peru está jogando sujo", disse Morales em outubro. Segundo
ele, a ferrovia seria "mais curta, mais barata" se passasse pela
Bolívia.
No
entanto, o presidente peruano Ollanta Humala descartou essa
possibilidade em novembro, comentando sobre um acordo com a China para
iniciar os estudos do projeto. O trem vai passar "pelo norte do Peru, por razões de interesse nacional", disse Humala.
Juan
Carlos Zevallos, economista que presidiu a agência reguladora de
transportes peruana OSITRAN argumenta que a região apresenta
"desenvolvimento consolidado" de infraestrutura para explorar a estrada
de ferro, incluindo o porto de Paita, ponto de chegada da ferrovia. Na
opinião de Zevallos, o projeto facilitaria a entrada de produtos
peruanos no Brasil, o maior mercado regional. "Esse é o interesse",
disse ele à BBC.
'Problemas'
Especialistas
antecipam possíveis problemas com grupos indígenas e defensores do meio
ambiente, dada a possibilidade de que o trem passe por áreas
consideradas sensíveis.
"Uma
estrada no meio da Amazônia para atender ao mercado chinês (...) seria
uma ilusão acreditar que não vai haver impacto", critica Paulo Adario,
diretor da Campanha Amazônia do Greenpeace.
Adario
observou, contudo, que "a ferrovia tem menor impacto do que a rodovia
para o escoamento da produção" e defendeu que sejam feitos estudos para
medir o impacto socioambiental da obra.
Também
há desafios de engenharia e custos para a construção de um trem que
cruze a Cordilheira dos Andes e desemboque no Pacífico.
Castro
Neves alertou que, se não houver planejamento adequado, o projeto pode
terminar paralisado, como outras grandes promessas de investimentos na
infraestrutura da região.
"A questão não é apenas injetar dinheiro", diz ele.
Gallagher
disse que o projeto vai representar "um verdadeiro teste para a
relação" entre Pequim e da região. "Se conseguir construir um trem de
alta velocidade que funcione e facilite o comércio com a América Latina,
de modo inclusivo e sem prejudicar o meio ambiente, a China tem tudo
para se tornar a nova 'queridinha' da América Latina", conclui.